A pandemia e seus impactos
"O capitalismo não tem a menor consideração pela saúde ou duração da vida do trabalhador, a não ser quando a sociedade o força a respeitá-la."
~Marx, K. O capital, v. 1.
Economia
O novo coronavírus abalou estruturas econômicas por todo o mundo, principalmente em países que já estavam com sua economia fragilizada. Segundo Senhoras (2020), os impactos do novo coronavírus no mercado financeiro mundial ocorreram de forma assimétrica, tanto pelas proporções que o contágio tomou, ou seja, pela forma como o mundo inteiro foi afetado pelo surto da COVID-19, levando a impactos negativos no mercado financeiro, na produção e no consumo, quanto pela diferença temporal entre o desenvolvimento da doença em cada país, que afetou sobretudo, o abastecimento de microeconomias, as cadeias de produção e a aceleração de macroeconomias internacionais, a exemplo dos Estados Unidos e da China.
O impacto da crise econômica gerada pela COVID-19 é avassalador, em principalmente para aqueles países que não fazem parte do restrito grupo dos denominados “desenvolvidos”. Devido à globalização e à estrutura da economia mundial, até mesmo regiões que não foram afetadas pelo vírus sofreram consequências, dado que a pandemia implicou na paralisação de atividades que promovem recursos em todos os setores econômicos, ocasionando uma queda exponencial de emprego e renda.
Segundo o Banco Mundial, o impacto ocasionado pela pandemia do novo coronavírus implicou na contração do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 5% no ano de 2020. Nessa perspectiva, o Brasil mostra um grande despreparo para o enfrentamento da COVID-19 resultando em milhares de pessoas desamparadas, levando a uma catástrofe socioespacial. Vale lembrar que, desde o período colonial, a riqueza do Brasil se concentrava nas mãos de um pequeno grupo da sociedade em detrimento da maior parte da população que se encontrava (e se encontra) em situação de vulnerabilidade e empobrecimento extremo.
Ainda que diversas lutas pelos direitos político-econômico-sociais tenham sido traçadas, nosso país permanece com um marcante quadro de desigualdade socioespacial, socioeconômica e educacional.
No contexto atual, o Estado deveria promover ações para a mitigação dos estragos causados pelo novo coronavírus e promover bem-estar social, trabalho e renda para a população, já que temos números marcantes de pessoas, grupos, entidades e empresas expostos a uma situação de alta vulnerabilidade. As ações promovidas pelo governo (auxílio emergencial e o seguro-desemprego) foram tímidas e insuficientes, mostrando não apenas o despreparo, mas também reforçando o caráter negligente das lideranças nacionais com as populações mais vulneráveis.
O atual presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, tem concentrado suas ações quase exclusivamente na esfera econômica e tem deixado de lado as pessoas em estado de vulnerabilidade, que, paradoxalmente, são aquelas mais impactadas pela doença, o que demonstra grande negligência e descaso com a população.
Vale apontar que a problemática relacionada à economia e ao setor social no Brasil transcende a questão monetária. Trata-se de um aspecto estrutural, uma vez que, de um lado, temos uma pequena parcela da sociedade, formada por uma elite privilegiada, que está em isolamento social, porém com o benefício de possuir todos os bens de consumo e serviço. Enquanto isso, por outro lado, temos incontáveis trabalhadores formais e informais, que constituem a massa braçal brasileira e enfrentam, todos os dias, problemas relacionados à moradia, ao saneamento básico, ao transporte, dentre outros, mas continuam sendo obrigados a trabalhar, se expondo aos riscos e complicações gerados pela COVID-19, já que está é a única forma de garantir o alimento para si e para suas famílias.
Política
Não bastasse a gravidade e imprevisibilidade do novo coronavírus, a população brasileira ainda tem de lidar com a instabilidade política em um país marcado por desigualdades estruturais de raça, classe, gênero, acesso à saúde etc.
O contexto de pandemia em que vivemos denuncia a hostilidade da doutrina neoliberal, escancarada no Brasil desde o golpe de 2016. Doutrina essa que é evidenciada no Brasil pelas ações e omissões do presidente da República, que ignora informações prestadas por profissionais da saúde e cientistas envolvidos no combate a propagação do vírus, e de seu ministro da economia, Paulo Guedes, amarrado a dogmas de um sistema econômico incapaz de assegurar condições de vida decentes para a maioria da população.
Enquanto o FMI (Fundo Monetário Internacional) informa que a economias devem tomar medidas anticíclicas para controlar o número de mortes e o colapso da economia, o Ministro afirma que a melhor estratégia para a contenção da pandemia é realizar reformas que desresponsabilizam o poder público e que enfraquecem a sua capacidade de prestar assistência à população e privatizar as empresas públicas.
Enquanto que, em países como Portugal o governo toma medidas econômicas para reduzir os efeitos negativos que a pandemia gera na vida dos trabalhadores, no Brasil, o governo adota medidas provisórias que favorecem o empregador em detrimento do empregado.
Acompanhando a lógica neoliberal que aprofunda as desigualdades, ao aumentar a pobreza de muitos e fomentar a riqueza de poucos, a elite brasileira com raízes escravocratas se alia ao governo para impossibilitar, através da imprensa, o debate de medidas alternativas de enfrentamento da pandemia. Enquanto o Brasil enfrenta seus período mais crítico de pandemia, medidas como a EC 95, corte dos recursos do bolsa-família e do benefício de prestação continuada foram sedimentados, levando ao aumento da desconstrução da legislação trabalhista, com a consequente precarização dos trabalhadores.
A elite brasileira e grande parte da classe média ignoram a estrutura socioeconômica atual. Temos um déficit habitacional que chega perto de “8 milhões de unidades habitacionais, com milhares de famílias sem abastecimento de água regular e sem esgoto tratado; existem 40,8 milhões de trabalhadores informais que ganham em média 1 salário mínimo e meio, sendo que 19,3 milhões sem qualquer registro, frente a 39 milhões de trabalhadores que ganham em média dois salário mínimos. Quanto ao SUS, a situação é alarmante para o momento de pandemia. Existem 40,6 mil leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), no entanto, somente 44% dos leitos estão no SUS, rede responsável pela assistência médica de três quartos da população brasileira. Os outros 25% da população são os que possuem algum plano de saúde. Além disso, essas UTIs são distribuídas desigualmente. Em alguns estados do Norte e Nordeste, o índice mínimo de 1 a 3 leitos para cada 10 mil habitantes determinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) não é cumprido.”
É necessário abandonar a cartilha neoliberal e tentar seguir por um outro caminho. Organizações, movimentos sociais e economistas apontam que um dos possíveis caminhos seria “instituir uma renda mínima ao menos para 36 milhões de pessoas registradas no Cadastro Único, pois serão essas pessoas as que mais sofrerão com a falta de renda devido à abrupta contração da demanda por bens e serviços na economia; ampliação dos recursos para o Bolsa-Família; investimentos urgentes para o SUS; garantir o emprego dos trabalhadores do setor formal, com política complementar de salário feita pelo governo, como está ocorrendo em Portugal”.
Sociedade
As grandes vítimas da pandemia são os trabalhadores temporários e mal pagos, aqueles que vivem de empregos informais, e os que moram em áreas mais precárias das cidades brasileiras.
Mesmo que haja muitas pessoas infectadas pelo novo coronavírus em bairros ricos, poucas delas morrem, diferentemente do que ocorre nas favelas e conjuntos habitacionais em que as mortes são muito mais numerosas. Esses locais possuem condições de infraestrutura e habitação precárias, sem equipamentos urbanos e serviços básicos. Além da negligência do poder público, os moradores dessas regiões ainda enfrentam preconceitos e humilhações. Esses fatores agravam o quadro de pobreza e não são capazes de serem avaliadas apenas por estatísticas.
Para agravar ainda mais a situação, vivemos em meio a uma crise da saúde pública, de recursos humanos e financeiros, de pesquisa científica, entre outros aspectos. O SUS, que já vinha sendo precarizado por décadas de políticas neoliberais, está sendo cada vez mais destruído em prol da eficiência do setor privado e da rentabilidade econômica da indústria farmacêutica, seus laboratórios e hospitais. “Reconhecer a atual fragilidade do sistema de saúde pública ainda não é o bastante para compreender a desigualdade em tempos de coronavírus”.
Essa desigualdade vai além das características superficiais e banais que são constantemente atribuídas a ela. A desigualdade é estrutural ao capitalismo, sistema que descarta e incorpora características da sociedade de classes existente em meados do século XIX, no Ocidente.
A nossa sociedade atual foi moldada a partir de um histórico colonial, patriarcal e escravagista e, ainda hoje, vive presa a esses valores. A classe trabalhadora é composta majoritariamente de negros e indigenas, que são “condicionados a trabalhos subalternos, maltratados como cidadãos de segunda classe, perseguidos em suas manifestações culturais e religiosas, violentados em seus direitos, jogados nas ruas (a população de rua é inviabilizada, nem sequer entra nas estatísticas demográficas cuja unidade é o domicílio), encarcerados em massa (o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, em sua maioria composta de jovens negros), submetidos ao genocídio, à chacina e ao extermínio.”
No Brasil, há um mascaramento da desigualdade. Vivemos em um cenário de desemprego em alta, precariedade do trabalho, salário achatado, desindustrialização e outros inúmeros fatores de ordem econômica, social, cultural e política. E em meio a tudo isso, temos apenas uma certeza: em uma estrutura econômico-social como a nossa, são os trabalhadores, suas famílias e comunidades que irão perecer vítimas da COVID-19. São eles quem estão sendo forçados a uma escolha excruciante entre a atividade econômica, que garante o alimento, ou o isolamento social, que assegura a vida. E em meio a tudo isso não há como não questionar: como salvar ou sequer manter a economia, quando não há mais trabalhadores para fazê-la funcionar?
TEXTOS BASE:
SILVA, D. S. DA C.; SANTOS, M. B. DOS; SOARES, M. J. N. Impactos causados pela COVID-19: um estudo preliminar. Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), v. 15, n. 4, p. 128-147, 30 jul. 2020.
https://fase.org.br/pt/informe-se/artigos/o-coronavirus-e-a-estupidez-neoliberal/
https://www.sct.ce.gov.br/2020/04/25/a-pandemia-expoe-de-forma-escancarada-a-desigualdade-social/